Nos últimos anos, a discussão sobre mudanças climáticas e sustentabilidade ganhou destaque nas agendas globais, com isso o mundo tem visto um movimento crescente em direção à implementação de políticas de precificação de carbono. Essas políticas, que visam incentivar a redução de emissões, também estão transformando o panorama energético do Brasil e do mundo com o desenvolvimento de fontes renováveis de energia, por exemplo o biogás e o biometano.
Para entender as tendências de precificação de carbono e como isso impacta o mercado de biogás e biometano mundialmente, vamos explorar nesse texto o recém-publicado relatório denominado World Energy Outlook 2024, publicado pela Agência Internacional de Energia (IEA).
Cenário atual e tendências de crescimento de demanda do biogás e biometano
Atualmente, o consumo global de biogás é de aproximadamente 26 bilhões de metros cúbicos equivalentes (billion cubic metres equivalentes em inglês e sigla bcme), enquanto o de biometano chega a 10 bcme.
De acordo com o World Energy Outlook 2024, a demanda mundial por esses recursos deve mais que dobrar até 2035, especialmente em um cenário de Políticas Declaradas (STEPS), que considera as políticas de incentivo que vêm sendo implementadas nos países. Nesse caso, o consumo somado de biogás e biometano deve alcançar cerca de 90 bcme até 2035, com um crescimento ainda mais acentuado projetado até 2050, podendo chegar a cerca de 230 bcme.
Ainda segundo o estudo, o biometano, em particular, se destaca por sua capacidade de atuar como uma fonte despachável de energia e um substituto direto para o gás natural.
O crescimento é impulsionado não apenas pela necessidade de diversificação das fontes de energia, mas também pela crescente consciência dos benefícios ambientais associados ao uso do biogás e biometano.
Ambos os combustíveis oferecem uma solução eficaz para a mitigação das emissões de GEE, especialmente no tratamento de resíduos e efluentes. Essa mitigação ocorre de duas maneiras: primeiro, ao evitar a emissão de metano nos sistemas de tratamento de resíduos, capturando o metano que, se não fosse tratado, seria liberado diretamente na atmosfera. Além disso, em segundo lugar, ao substituir combustíveis fósseis, como gás natural, carvão e petróleo, reduzindo assim as emissões de CO2 provenientes dessas fontes.
A precificação do carbono e suas implicações no mercado de biogás e biometano
A precificação do carbono refere-se a práticas que atribuem um custo às emissões de CO2, incentivando empresas e indústrias a reduzirem suas pegadas de carbono. O conceito central, de forma simples, é: quanto mais uma empresa emite, mais ela paga. Portanto, essa abordagem busca criar um mercado onde as emissões são reduzidas, promovendo a inovação e o investimento em tecnologias menos emissoras.
O World Energy Outlook 2024 apresenta previsões de preços de carbono para diferentes cenários. No STEPS, por exemplo, o preço do carbono na União Europeia deve subir para quase USD 160 por tonelada de CO2 até 2050. Em outros cenários, como o de Compromissos Anunciados (APS), esse valor pode atingir até USD 200 por tonelada em economias avançadas. Isso significa o reflexo de uma crescente pressão por ações mais robustas no combate às mudanças climáticas.
Ou seja, essas tendências de precificação têm implicações diretas para o mercado de biogás e biometano. Com a elevação dos preços do carbono, os projetos de biogás que demonstram capacidade de mitigar emissões tornam-se mais atrativos financeiramente. Segundo o World Energy Outlook 2024, o custo atual do biometano é aproximadamente USD 10/MBtu a mais que o gás natural nas principais regiões consumidoras de gás. No entanto, esse diferencial de custo está projetado para diminuir para cerca de USD 4/MBtu no cenário Announced Pledges Scenario (APS), devido a fatores como precificação de CO2, suporte político e economias de escala.
A seguir, apresentamos as tendências de consumo de biogás e biometano no mundo para diferentes cenários de precificação do carbono.

- Cenário de Políticas Declaradas (STEPS)
No cenário STEPS, as políticas se fortalecem e a consciência sobre a necessidade de reduzir as emissões aumenta. Nesse contexto, a precificação do carbono pode servir como um catalisador para a expansão do mercado. Com o preço do carbono previsto para subir, a viabilidade econômica de projetos de biogás se torna mais clara. Além disso, com o apoio político e as economias de escala, os custos do biometano tendem a se alinhar cada vez mais com os do gás natural.
Assim, o esperado é que haja mais projetos de biogás desenvolvidos e implementados, chegando até 2050 com consumo de 230 bcme em biogás e biometano mundialmente.
- Cenário de Compromissos Anunciados (APS)
O cenário APS, que considera os compromissos assumidos por diferentes países em relação à redução de emissões, apresenta um panorama ainda mais otimista para o mercado de biogás. Nesse cenário, o preço médio de CO2 pode chegar a USD 200 por tonelada em economias avançadas, o que incentiva fortemente a transição para fontes de energia renováveis, como o biogás.
O aumento da demanda por biometano seria então uma consequência direta dessas políticas. Estima-se que, até 2050, o consumo global de biometano no APS atinja aproximadamente 220 bcme, destacando a relevância crescente desse recurso no mix energético.
- Cenário de emissões líquidas zero (NZE)
Por fim, no cenário NZE, as previsões são ainda mais impactantes. O consumo de biometano deve crescer dez vezes em relação aos níveis atuais, alcançando impressionantes 1,4 trilhões de metros cúbicos equivalentes até 2050. Esse crescimento é impulsionado por um forte compromisso global com a descarbonização e pela implementação de políticas robustas de precificação de carbono.
A elevada demanda por biometano nesse cenário representa uma oportunidade significativa para o desenvolvimento de projetos de biogás. À medida que o mundo se compromete a atingir metas ambiciosas de redução de emissões, as tecnologias de biogás se destacam como uma solução viável para atender essa demanda crescente.
Oportunidades e desafios no mercado de biogás e carbono
A crescente demanda por biogás e biometano, aliada à precificação do carbono, abre um leque de oportunidades para o setor. Com a elevação dos preços do carbono, investidores estão cada vez mais interessados em financiar projetos de biogás, que demonstram potencial para mitigar emissões. Essa situação não só torna esses projetos mais atraentes, mas também impulsiona a inovação e o desenvolvimento tecnológico, à medida que a competição no mercado estimula a busca por soluções mais eficientes e viáveis. Além disso, os projetos de biogás têm o potencial de gerar empregos e promover o desenvolvimento econômico local, criando oportunidades em diversas áreas, desde a construção até a operação e manutenção das instalações.
Entretanto, existem desafios a serem superados:
- A falta de regulamentação clara e de políticas públicas consistentes pode dificultar o desenvolvimento de projetos de biogás, tornando essencial a criação de um ambiente regulatório favorável.
- Além disso, o biogás e o biometano ainda enfrentam concorrência significativa de fontes de energia convencionais, que, muitas vezes, possuem custos mais baixos. Superar essa barreira exigirá não apenas a redução dos custos do biometano, mas também a promoção de políticas que favoreçam as energias renováveis.
- Por fim, a aceitação pública em relação a esses projetos é fundamental para o seu sucesso, sendo crucial realizar campanhas de sensibilização e educação que destaquem os benefícios ambientais e econômicos do biogás.
Futuro do mercado de carbono, biogás e biometano
O futuro do mercado de biogás e biometano é promissor, especialmente à medida que as políticas de precificação de carbono ganham força. O Brasil avançou na regulamentação ambiental com a aprovação da Lei do Combustível do Futuro (nº 14.993), da Lei do Mercado de Carbono (nº 15.042) e da Lei de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (nº 14.990/2024), isso reforça seu compromisso com a transição energética e a sustentabilidade.
A Lei do Combustível do Futuro promove a mobilidade de baixo carbono, incentiva a produção de biocombustíveis, como o biometano, e valoriza resíduos orgânicos por meio da expansão de plantas de biogás, alinhando o país às metas globais de redução de emissões.
Paralelamente, a Lei do Mercado de Carbono institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), proporcionando segurança jurídica e estimulando investimentos em créditos de carbono. A Lei de Desenvolvimento do Hidrogênio, por sua vez, coloca o Brasil na vanguarda da transição energética ao incentivar a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono, especialmente o hidrogênio verde, com benefícios fiscais previstos entre 2028 e 2032.
Assim, com o apoio de políticas públicas robustas e um ambiente regulatório favorável, os projetos de biogás e biometano no Brasil e no mundo têm o potencial de atrair investimentos significativos e contribuir para um futuro energético mais sustentável.

Sobre a autora:
Leidine Mariani é doutora em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Unicamp, graduada em Engenharia Ambiental pela UFPR (2005), mestre em Gestão Territorial pela UFSC (2008) e concluiu o Master Executive Online em Energias Renováveis pela Escola de Organização Industrial da Espanha (2013). Ela é Sócia Fundadora e atua como CEO da Amplum Biogás.